quinta-feira, 15 de março de 2012

UM COTIDIANO DOLOROSO

      Ele chegou, entrou e viu a esposa sentada no sofá. Ela usava um short de lycra e uma camiseta grande, sem estampa. Tinha os olhos vermelhos e inchados, semblante bastante abatido. Ele a olhou com cara feia e perversa. Estava bêbado. Isso acontecia todas as noites.
      A mulher, assustada, encolheu-se no canto do sofá; mas ele, com fúria, puxou-a e deu um tabefe bem forte em seu rosto. Disse-lhe palavras ásperas, humilhou-a como se ela fosse a pessoa mais desprezível do mundo.       
      Ela não tinha forças, há muito não conseguia se alimentar. Não havia para onde ir, não tinha mais família. Aquele homem era tudo que ela achava que tinha. Talvez lhe restasse alguma dignidade, mas ela nem sabia se havia alguma dentro dela.
      Não contente por bater no rosto da mulher, ele fez questão de contar a ela sobre as mulheres com quem tinha ficado aquela noite. Descrevia-as como verdadeiras sereias, e como elas o deixavam viril. Fazia entre elas e aquela mulher acuada diversas comparações: como ela era desprovida de sensualidade, de beleza e de inteligência. Gritava, chamando-a de imprestável.    Ela soluçava. Ela tentou dizer alguma coisa, mas ele lhe deu um murro na sua boca. 
      Após humilhar bastante a mulher, ele trancou a porta da casa, ameaçando matá-la caso ela fugisse ou contasse alguma coisa para alguém. Ele dirigiu-se para o quarto e exigiu que ela dormisse no sofá.

      No dia seguinte, antes do café da manhã, ele saiu sem dizer nenhuma palavra. Ela não quis comer nada. Cansada, foi em direção ao quarto, o mesmo que seu companheiro não quis que ela entrasse na noite anterior. Viu a roupa dele sobre a cama. Checou os bolsos e encontrou um bilhete: 
      “Meu querido, espero ansiosa por seus beijos e abraços. Todos os dias você me diz coisas tão lindas que toda mulher gostaria de ouvir. Por sua causa tenho me sentido a mulher mais feliz do mundo. Quando se livrará daquele trapo que é aquela mulher com quem mora? Eu te amo.”

      Nenhuma assinatura. 

      Desamparada, não teve força para chorar. Devagar abriu a porta do guarda-roupa e ficou, por vários minutos, olhando as roupas do homem que um dia a assumiu como mulher e agora a jogava fora da vida dele. Lentamente, pegou uma tesoura que estava sobre a penteadeira e tornou a olhar as roupas dele. Pegou a melhor camisa e, com a tesoura na mão, pensou em cortá-la em pedaços. Tomaria coragem e fugiria daquela casa, mesmo sem ter para onde ir.
      Pensativa por certo tempo, ela colocou de volta a camisa no lugar, guardou a tesoura em uma gaveta e foi arrumar a casa. Novamente, sentou-se no sofá à espera do mesmo homem que chegava bêbado em casa, batia-lhe no rosto e a humilhava todas as noites.

(Luciene Lima Prado)

5 comentários:

  1. Nossa Lu, vi este cantinho e vim logo e o que encontro? Uma prosa terrivel desta violencia que bem sabemos real.Uma violencia que se repete em cada noite em algum canto,cheio de maldades e desencantos, uma mulher apanha e se cala diante de um medo,de uma insegurança,que sempre culmina com a morte,de quem ja vive sob todo tipo de sorte.
    Otima construção sim, mas terrivelmente dolorida.
    Que essa personagem acorde para a vida e encontre a força que vive dentro dela.
    Um abração amiga e ja seguindo.

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  2. Oi, Luciene. Primeiramente, obrigado pela visita carinhosa durante a minha longa ausência.

    Olhe, o pior é que esta realidade é muito comum e são pouquíssimas as mulheres que tem a coragem e condições materiais de se sustentarem e denunciarem os maridos, namorrados, companheiros que perpetram essas barbaridades contra elas. Estamos melhorando nesse sentido (as leis) mas ainda há um longo caminho sócio -cultural a ser trilhado e com muito penar ainda para muitas. Infelizmente.

    um grande abraço. paz e bem.

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  3. INTERESSANTE CRÔNICA! QUANTAS PESSOAS VIVEM ENCARCERADAS EM LARES COM MARIDOS ASSIM? ADOREI O TEMA E A REFLEXOA QUE ESSA CRONICA NOS PROPICIA. PARABÉNS!

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  4. Quantas mulheres desencorajadas se permitem sofrer humilhações e dizem amém para tal violência que cresce a cada dia, não sei se por medo ou covardia! Excelente o seu texto! Abçs!

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