domingo, 11 de março de 2012

A POESIA NO DIVÃ

   -Senhora Poesia!
   - Sou eu.
   - Sente-se no divã.
   - (...)
   - Conte-me sobre você.
   - Eu estou com crise de identidade. Não sei mais quem sou. Não acredito no que eu mesma versejo.
   - Há quanto tempo se sente assim?
   - Nem faço idéia. Acho que faz muito tempo.
   - Fale mais.
   - Eu não consigo mais saber o que sinto. Às vezes estou triste; outras vezes, alegre. Numa hora quero viver eternamente; na outra, quero morrer. Eu ando ouvindo o canto das estrelas. Estou ficando louca. Por algum momento, me organizo metrificamente; em outro momento, meu “versamento” se perde em versos brancos.
   - Algum problema na vida amorosa?
   - Todos. Eu amo demais e, no mesmo instante, odeio infinitamente ou um segundo sem fim. Então, torno a amar além da primavera.
   - Que lembranças lhe trazem a sua infância?
   - Já não sei mais a minha idade. Pareço ter todas as idades. Na infância, eu gosto de brincar de rima fácil, de rodopiar etc. Na adolescência discordo de tudo, apaixono-me... Já não sei mais. Na idade adulta, reflito sobre tudo, creio em tudo e não creio em nada. Fico querendo me matar ou viver e transmitir minha vida pra quem eu encontrar. Na velhice, tudo recomeça e tudo acaba e tudo vira do avesso. Nem faço idéia se o que eu disse agora é mentira ou verdade.
   - Seu problema é poeticidade múltipla associada a uma confusão conotativa com resquícios de denotação, cujo tratamento se baseia em deixar as folhas em branco por várias horas o máximo de tempo que puder.
   - Assim poderei ficar curada, doutor?
   - Talvez. Com muita disciplina e pouca imaginação, certamente!
   - Eu certamente já estarei extinta. (A poesia, em voz baixa.)
   - O que disse, dona Poesia?
   - Divagações, divagações...
   - E o tratamento prescrito?
   - Eu o cumprirei até o nascimento de um novo poeta.

(Luciene Lima Prado) 



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4 comentários:

  1. Luciene, obrigada pela gentil visita! Nunca havia lido uma prosa tão criativa, um diálogo perfeito super lindo!

    Aplausos de pé poeta!

    Abç de Paz!

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  2. - até que enfim consegui chegar aqui, e percebo que a poetisa que vc tenta desprezar, é perda de tempo, ela é sua aliada: "eu ando ouvindo o canto das estrelas" que belos versos, me lembrei de Rui Barbosa que dialogava com as estrelas: "ora direis ouvi estrelas, certo perdestes o bom senso" e a crítica literária na época não entendeu, o poeta pode converar com as estrelas, com as rosas e com o imaginário, como é essa sua prosa, onde vc tenta se esconder no surrealismo, mas o realismo te qer aqui agora presente. Mário Bróis, esse mesmo que te ama, linda poetisa.

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  3. Beleza de criatividade minha amiga,um dialogo que as vezes nos assombra e ou abraça nesta busca pela inspiração e entender o que nos vai em sentimentos.A poesia sobrevive e alcança nossas mãos e mente e explode como nesta prosa gostosa de ler.Belo canto este Lu.
    Parabens e meu abraço de paz e luz.

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